13 janeiro 2010

O uso da Bíblia na catequese

"Tua Palavra é lâmpada para os meus pés, Senhor. Luz para o meu caminho" (81119. 10s).

Costuma-se dizer que a Bíblia é o principal livro da catequese, a mais importante fonte do processo de evangelização. E isso é fácil de entender, pois sabemos que a Bíblia é para nós Palavra de Deus. Se na catequese o que se pretende é ajudar o catequizando a realizar o seu encontro com Deus, fica clara a importância da Palavra de Deus, por meio da qual se realiza esse encontro.

A catequese deve, portanto, ser centrada na Palavra de Deus. O catequizando deve aprender a escutar a Bíblia e deve ser incentivado a vivenciá-la. Por meio da Palavra, Deus se comunica conosco e nós nos comunicamos com Ele.

No entanto, o uso da Bíblia na catequese pode trazer algumas dificuldades. Por isso, damos algumas dicas.

1. QUANTO À LINGUAGEM BÍBLICA


As traduções da Bíblia, em geral, não empregam uma linguagem acessível a catequizandos e adolescentes. Às vezes, nem o adulto entende direito o vocabulário bíblico. E não só o vocabulário traz dificuldades, mas também certas noções históricas e certos costumes dos povos antigos, que entram como personagens das Escrituras, nem sempre serão facilmente compreensíveis.

Por outro lado, algumas versões da Bíblia para crianças deixam muito a desejar, pois desfiguram completamente certos textos. O desejável seria uma tradução que não desfigurasse tanto, mas apresentasse uma linguagem compreensível, de acordo com a idade dos catequizados.

Certos manuais adotam o costume de apresentar uma versão do texto bíblico numa linguagem apropriada à turma. Nesse caso é preferível
não ler o texto na Bíblia, mas no próprio manual. O importante, quando se fala do uso da Bíblia, não é estar com a Bíblia na mão, mas compreender sua mensagem. Certas expressões ou frases, que escapam totalmente do universo mental da criança, precisam ser, no mínimo, adaptadas e, às vezes, excluídas.

Quando se trabalha, no entanto, com adolescentes, jovens ou adultos, principalmente se eles já têm certa caminhada, é importante familiarizá-los com a Bíblia Sagrada. Nesse caso, o catequista incentivará a turma a adquirir a Bíblia – de preferência completa – e a levá-la para os encontros. E será preciso todo um cuidado para treinar o manuseio da Bíblia e para explicar aquilo que não se compreende à primeira vista. Nesse caso, depois de proclamar o texto, é preciso compreendê-lo, explicando seu vocabulário e seu sentido, para depois partilhá-lo e tirar dele conclusões.

Pensamos que qualquer texto bíblico pode ser traduzido de modo a ser compreendido por crianças de qualquer idade. Essa tradução, no entanto, deve ser feita por quem entende das Sagradas Escrituras. E por isso é favorável apresentar, no manual que serve de base para os encontros, uma versão de cada texto a ser usado, em linguagem acessível

2. QUANTO À SELEÇÃO DE TEXTOS

Apesar de a Bíblia ser um livro básico na catequese, o processo catequético não consiste num mero estudo dela. Do ponto de vista pedagógico, seria inconcebível na catequese – e ninguém pensa nisso – estudar a Bíblia do começo ao fim, seguindo seus esquemas históricos e canônicos.

A seleção de textos para cada encontro levará em consideração o conteúdo que se quer transmitir. A catequese é organizada a partir de certos conteúdos fundamentais no processo de evangelização. Primeiro, decidimos os conteúdos. Depois, procuramos a fundamentação bíblica. Os textos bíblicos servirão de base e suporte para a transmissão dos conteúdos.

Com isso, entendemos duas coisas:

1. Não se pode, na catequese, ler os livros bíblicos do começo ao fim, sem organizar os textos a partir dos conteúdos programados. Dizemos isso porque o catequista poderia ter a tentação de ir comentando textos bíblicos aleatoriamente, sem um programa de conteúdos. Não daria certo.

2. Não se pode também realizar aquele tipo de leitura bíblica, infelizmente comum em certos círculos de espiritualidade, em que se abre a Bíblia a esmo e se lê o primeiro texto que os olhos encontram, como se essa fosse a vontade de Deus para aquele momento. Isso é inconcebível não só na catequese, mas também fora dela. Fica parecendo uma tentativa de tirar sorte com a Bíblia, forçando Deus a revelar sua vontade na hora em que a gente quiser. É manipulação, como uma cartomante joga as cartas para descobrir a
“vontade dos astros”. Não é esse o caminho.

Os roteiros de catequese devem apresentar, como é costume, uma sugestão de texto bíblico que se encaixe dentro do assunto de cada encontro.


3. QUANTO À PROCLAMAÇÃO DOS TEXTOS

Um cuidado especial se deve ter ao proclamar um texto bíblico na catequese. Toda leitura deve ser bem-feita. Mas, se vamos ler um texto que traduz a Palavra de Deus diante do grupo, isso exige cuidados especiais.

Primeiro, é preciso preparar a turma para escutar a proclamação. É preciso criar um clima de silêncio e concentração. Se a turma estiver inquieta, nem adianta proclamar nada. Os ouvidos estarão ligados em outras coisas. Primeiro, faz-se silêncio. Depois, proclama-se o texto.

Outro cuidado importante é fazer, antes da proclamação, breve comentário a respeito do texto. O comentário desperta a curiosidade de quem vai ouvir e facilita a compreensão. É como se faz na liturgia: antes de proclamar o texto bíblico, um comentarista motiva a assembléia. Essa motivação faz com que o povo se ligue no que vai ser proclamado.

A postura também é importante. Talvez seja melhor o pessoal estar sentado. Mesmo que seja um texto do Evangelho, pode ser ouvido em pé. Mas catequese não é missa. Deve-se levar em conta que o encontro catequético costuma iniciar-se com todos em pé. Também a oração inicial costuma ser feita nesta posição. Então, quando chega a hora da Palavra, todos já querem se sentar. E essa é uma boa posição para se concentrar e ouvir atentamente.

Talvez o catequista, no entanto, ao ler, devesse ficar em pé diante de todos. Isso ajudaria até para que sua voz se tornasse mais fácil de ouvir. Seria um modo mais solene de proclamar o texto. E ainda produziria um efeito disciplinar melhor, já que, estando o catequista em posição de destaque diante da turma, os catequizandos são mais facilmente induzidos a respeitá-lo.

Por falar em voz, não se pode nunca esquecer que o texto bíblico deve ser proclamado com voz clara e boa dicção, respeitando a pontuação e caprichando na entonação. O tom da voz e a boa leitura são fundamentais para a compreensão do texto. Um texto lido, por exemplo, sem pontuação, torna-se incompreensível. Por isso, é preciso treinar a leitura com antecedência, compreendendo bem o sentido de cada frase.

A entonação da voz é outro ponto que exige cuidado. Entonação é o tom que a pessoa dá à voz, quando começa a ler. Durante a leitura, o tom de voz deveria mostrar naturalidade. A pessoa que está ouvindo deve ter a impressão de que o leitor está como que conversando. O segredo é a naturalidade. Normalmente, quando vamos ler, mudamos completamente a voz e começamos a “cantar” o texto, dando aqueles arrancos forçados na interrogação. Fica tão artificial! Não cante o texto. Proclame-o conversando. E use um volume de voz suficiente para que a leitura seja audível. Não é preciso gritar o texto. Mas também não se deve sussurrá-lo, como se fosse segredo.

É preciso lembrar ainda que há enorme diferença entre proclamar um texto e contar uma história. Na Pré-evangelização, como lidamos com crianças muito novas – 5 a 7 anos – os textos bíblicos vêm em forma de histórias. A história não é propriamente uma tradução do texto bíblico. Ela é mais uma adaptação do texto. Uma história não deve ser lida, deve ser contada, dramatizada. Principalmente, se estivermos lidando com crianças de 5 a 7 anos, como acontece na Pré-evangelização.

Contar histórias é uma arte. O catequista deve usar sua imaginação e sua criatividade, para encantar as crianças. Pode usar fantoches, máscaras, roupas especiais. Pode se movimentar de um canto para outro, atraindo sobre si os olhares da turma. Pode gesticular à vontade, usando mímicas e posturas: deve fazer tudo isso.

Pode arremedar os personagens, criando vozes diferentes para cada um. É uma verdadeira encenação. O critério será sempre a reação do grupo. Se mostra que está gostando, vá em frente. Se reage mal, mude de tática.

4. QUANTO AO COMENTÁRIO DOS TEXTO

O comentário dos textos, como é proposto nos encontros, é uma verdadeiro aprofundamento do tema, a partir dos textos proclamados. Não basta explicar e compreender o texto. É preciso compreender sua ligação com o tema do encontro. Essa ligação eqüivale à aplicação do texto à realidade da vida.

O texto bíblico não é um fim em si mesmo. Ele serve para iluminar a vida. Então, é preciso ficar claro em que sentido o texto a ilumina. Qual é a mensagem que ele traz?

De um único texto, costuma ser possível tirar várias mensagens. Como o catequista vai saber conduzir a reflexão sobre o texto sem fugir do assunto? É só ficar atento ao tema e ao objetivo de cada encontro. Há um risco enorme de se sair do assunto e conversar sobre um tanto de coisas, sem concluir nada. Se a curiosidade da turma puxa o assunto noutra direção, satisfaça, enquanto possível, essa curiosidade. Mas depois volte ao assunto principal para concluir a reflexão.

O texto bíblico não deve ser visto como uma camisa-de-força para limitar a reflexão. Ao contrário, ele é o ponto de partida para uma conversa de aprofundamento do tema.

É importante que o momento da reflexão seja momento de diálogo. O catequista não deve se sentir num púlpito fazendo sermão. Deve, sim, conversar com a turma e ajudá-la a debater o assunto. Mais importante que falar é deixar falar, induzindo todos a se expressarem. Quando só o catequista fala, ninguém garante que a turma tenha se ligado à reflexão. Mas quando o grupo fala, tem-se a certeza de que de algum modo houve interiorização.

O momento do comentário é privilegiado para perguntar, tirar dúvidas, esclarecer. Deve-se dar essa liberdade aos catequizandos, mas sem perder o controle do debate, prolongando-o em demasia. Às vezes, quando o tema desperta interesse, a turma parece querer passar o resto do dia em discussão. O catequista saberá dosar tudo isso para que o encontro não vá muito além do horário programado. O segredo é buscar a objetividade.

Quando o assunto exige, para sua compreensão, certa organização lógica, costumamos sugerir que se use algum recurso didático apropriado, que venha auxiliar a reflexão: cartazes, faixas, álbuns seriados. Esses recursos facilitam a organização das idéias e proporcionam uma síntese mais conveniente. Quando o assunto é mais intuitivo e depende mais da opinião pessoal, costumamos sugerir alguma forma de partilha. A partilha é importante porque ajuda cada um a emitir suas opiniões. Afinal, o catequizando precisa ser incentivado a elaborar o seu pensamento a partir dos conteúdos apresentados. A partilha é possível é útil em qualquer idade. Só vai diferir quanto ao seu conteúdo. Mesmo uma criança de cinco anos já sabe emitir opiniões sobre os temas propostos, desde que compreenda o assunto.

5. QUANTO AO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO

Enfim, é importante frisar aqui o aspecto da comunicação que deve merecer atenção em todos os momentos do encontro, principalmente na hora do comentário.

Podemos falar novamente da comunicação horizontal e vertical que engloba todo o processo de reflexão da Palavra de Deus. A
comunicação horizontal vai do catequista ao catequizando e, deste, retorna ao catequista. A comunicação vertical vai de Deus ao catequizando e, deste, retorna a Deus, em forma de adesão íntima e pessoal. Vejamos melhor esses quatro aspectos. Se faltar um deles, o processo de evangelização ficará incompleto.

1º) O catequista precisa se comunicar com os catequizandos, saber uma linguagem que eles entendam, de um modo que apreciem. Há dois problemas possíveis aqui. O primeiro é quando nem o catequista entendeu direito o assunto e, por isso, não consegue comunicá-lo com clareza. Ninguém então entende nada. O segundo é quando o catequista assume certas atitudes que produzem antipatia na turma como o mau humor, a falta de graça, o moralismo, o autoritarismo, a dificuldade de ouvir o catequizando, o monopólio da verdade (que acontece quando o catequista se coloca como o dono da verdade, em ouvir a posição dos catequizandos) – tudo isso pode prejudicar a empatia, principalmente – mas não somente – quando se lida com crianças já mais amadurecidas ou a partir da adolescência.

2º) O catequista precisa também abrir um canal de comunicação com os catequizandos. Se acomunicação vai apenas do catequista ao catequizando, e não retorna, será deficiente. Às vezes, essa comunicação de retorno é mais difícil. O catequista precisa de certo jeito para escutar a turma, compreendendo sua realidade, suas idéias, suas opiniões, seu mundo. Comunicação sem retorno é sempre incompleta. É como quando se envia uma carta que fica sem resposta. É pela resposta dos catequizandos que se perceberá com que profundidade acolheram e assimilaram o assunto, transformando-o em expressões próprias de seu conhecimento. O catequizando não precisa sair da catequese repetindo tudo o que o catequista afirmou. O que se espera é que o catequizando seja confrontado com toda a mensagem proposta e possa se posicionar diante dela, elaborando seu conhecimento. Nesse sentido, o catequista não se desespere se a turma questionar e protestar, parecendo não concordar com certos temas. Talvez haja maior assimilação ao protestar que ao se calar. Esse raciocínio, no entanto, não dispersa o catequista de usar todo o seu poder de convencimento, para gerar na turma uma adesão aos valores propostos.

3º) O catequista precisa estabelecer a comunicação de Deus com os catequizandos. A Palavra que se ouviu é Palavra de Deus. Com as devidas proporções, é Deus falando. A turma precisa ouvir a Palavra como coisa de Deus. Deus quer nos comunicar algo. Estamos, entretanto, diante de afirmações delicadas e perigosas, pois certos conceitos como Palavra de Deus, voz de Deus, vontade de Deus nem sempre são muito claros. É preciso ter cuidado para não colocar nossa vontade como sendo vontade de Deus. Nem mesmo podemos colocar a vontade da Igreja como desejo último de Deus. São três coisas distintas. Ao emitir sua opinião, o catequista deve deixar claro que se trata de sua opinião. Ao comentar a doutrina da Igreja, precisa deixar claro que é o pensamento da Igreja, , sempre voltado, é claro, para a busca do bem de toda a humanidade. A vontade de Deus, no entanto, será sempre um mistério. Cada pessoa a ouvirá diretamente em seu coração, em sua consciência. O catequizando aprenderá a concluir o que Deus lhe mostra, a partir de tudo, quando se reflete num encontro. Mas a comunicação de Deus ao catequizando acontecerá sempre no íntimo de cada um. Por isso, é bom evitar expressões ambíguas, tais como: “Deus me disse isso”, “Deus está dizendo aquilo”, “Deus me revelou tal coisa”. A não ser em frases genéricas e óbvias, como: “Deus quer o bem de todos”.

4º) O catequista precisa ainda incentivar a comunicação dos catequizandos com Deus. Trata-se de dar uma resposta, um retorno àquela iluminação divina que tiver sido captada a partir da reflexão sobre a Palavra. Mais uma vez, é preciso frisar que também essa resposta acontecerá no íntimo de cada um e dependerá de quanta luz o catequizando absorveu pela reflexão e por todo o encontro. Essa resposta é que produzirá depois a tão propalada mudança de vida. Mas não muito como induzir mudança de vida. O que o catequista pode e deve fazer é iluminar ao máximo o coração do catequizando, com a luz da reflexão, proporcionando assim a mais clara adesão que ele for capaz. Mas essa capacidade será sempre muito pessoal e dependerá de muitos outros fatores que escapam ao controle do catequista. A melhor resposta à Palavra de Deus é a simpatia e o amor do catequizando com Deus eqüivale a regar esse amor e essa simpatia, criando condições favoráveis para que floresça no coração de cada catequizando uma atração forte por Deus.

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